Quando Kelvis Henrique da Silva, de 15 anos, ouviu sobre a possibilidade de participar de competições esportivas escolares, logo imaginou entrar na equipe de futsal ou de atletismo. Depois, acabou optando por uma modalidade que lhe aproximava mais da família e de suas origens, a comunidade indígena Canta Galo, onde vive no município de Pacaraima, localizada a 280 km de Boa Vista (RR) e perto da fronteira com a Venezuela. A escolha foi por competir no tiro com arco.
Kelvis pertence à etnia Macuxi. O primeiro arco que teve contato foi ele próprio quem construiu, com ajuda do pai. Mas era um arco indígena, mais leve e com o formato bem diferente do equipamento esportivo. O treinador Ronys Silva Batista lembra que Kelvis só foi inscrito para os Jogos Escolares de Roraima nos últimos dias. Foi Angélica Nascimento, sua professora de Educação Física na Escola Estadual Indígena Siminiyo, que o incentivou e inscreveu no torneio de tiro com arco escolar de Roraima.
Kelvis estreou na competição sem nunca ter tido contato com o arco esportivo. “Mesmo sem treino, ele venceu o campeonato”, conta o técnico Ronys, orgulhoso do desempenho que rendeu ao atleta a vaga nos Jogos da Juventude CAIXA João Pessoa 2024, considerado o principal evento multiesportivo do Brasil para jovens de até 17 anos, organizado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB). Nesta edição dos Jogos da Juventude, um dos embaixadores ainda foi Marcus D’Almeida, atleta olímpico e um dos melhores arqueiros do mundo. Inspiração que fez os olhos dos jovens talentos da modalidade brilharem no Centro de Convenções da capital paraibana.
Poucos meses após os Jogos Escolares de Roraima, a Confederação Brasileira de Tiro com Arco (CBTArco) convidou o treinador Ronys e os arqueros Kelvis e Ana Júlia da Silva Amorimos, campeões das categorias masculina e feminina da modalidade, respectivamente, para uma clínica de uma semana com o técnico Isaías Rodrigues, no Centro de Treinamento de Maricá, no Rio de Janeiro.
Na volta para Roraima, Kelvis incluiu na rotina uma preparação física montada pelo treinador Ronys especificamente para a melhora no tiro com arco, além de treinos físicos e técnicos para fazer na comunidade indígena, já que a distância de aproximadamente 280 km até Boa Vista inviabiliza os treinamentos frequentes junto ao treinador. O diretor da escola indígena é o responsável por intermediar os envios dos materiais, que incluem vídeos para mostrar ao treinador como está o desenvolvimento do atleta.
Nos Jogos da Juventude CAIXA João Pessoa 2024, um novo desafio foi lançado a Kelvis para encarar adversários de outros estados do país. O jovem indígena treinou pela primeira vez com um arco esportivo oficial na véspera do início das competições e aprovou o equipamento. No primeiro dia de disputas do tiro com arco na categoria masculina, o arqueiro de Roraima terminou na 15ª posição, com 323 pontos, entre os 20 competidores. No segundo dia, Kelvis venceu o primeiro duelo contra Gabriel Leal, do Piauí; e perdeu o segundo, diante de Felipe Fogliarini Tim, de São Paulo.
“Foi muito bom entrar nas competições do tiro com arco. Agora, eu treino todos os dias, até nos fins de semana. Estou gostando muito. Eu já convidei uma amiga da minha comunidade indígena para experimentar o tiro com arco também”, conta Kelvis. O treinador Ronys ainda não teve oportunidade de conhecer a comunidade indígena Canta Galo, onde ele vive. “Mas está nos meus planos para o ano que vem. De onde veio o Kelvis, acredito que também tenham muitos outros talentos para o tiro com arco”, almeja Ronys.
Para Kelvis, tudo é novo nos Jogos da Juventude CAIXA João Pessoa 2024. Mesmo o jeito tímido, de poucas palavras, não é capaz de esconder o sorriso no canto da boca e os olhos brilhando diante das estruturas montadas no Pavilhão Feira do Centro de Convenções da cidade, onde o tiro com arco está sendo disputado. Além do uniforme da delegação de Roraima, Kelvis competiu com uma meia alta colorida e uma boina, acessórios que ganhou de presente do treinador e que se assemelham aos usados pelo professor. Pupilo e mestre andam em sincronia nessa experiência de vida que vem abrindo novas perspectivas de vida para os dois.
Tiro com arco nos Jogos da Juventude
O tiro com arco está na segunda edição dos Jogos da Juventude, mas pela primeira vez de forma indoor. Neste formato, a distância é de 18 metros até o alvo, assim como ocorre nos Jogos Escolares estaduais, o que torna a disputa nacional mais acessível aos competidores, se comparado aos 60 metros de distância adotados em 2023, ano de estreia da modalidade na competição.
“Estou muito feliz, porque a modalidade cresceu muito rapidamente. Em 2023, tínhamos 13 estados na primeira participação do tiro com arco nos Jogos da Juventude. Neste ano, já estamos com 22 estados. A Arena está linda, as crianças estão muito empolgadas e nós também estamos muito animados com a transformação que estamos vendo no nosso esporte”, ressaltou João Cruz, presidente da Confederação Brasileira de Tiro com Arco (CBTArco).